sexta-feira, 23 de setembro de 2011



cantar a leitura na casa de ruínas


abro o corpo à espera do poema. abro os olhos, fio com a lâmina da

voz, deito nos pés o início da escrita.

da casa de ruínas restam folhas, [retalhos do todo], guardadas na

espessura da pedra.

é no corpo que a casa desenha o espaço do poema.

é no corpo que o poema inicia o seu outono:

deixar as folhas caírem.

corpo-folha alargado sobre o chão do tempo.


e o poema, deitado-pedra, ensina a prece do dia.


rezar a leitura, ela tinha dito.
cantar a leitura na casa da claridade

dobrou o corpo sobre a escrivaninha de palavras, aguardou o chamado
do silêncio branco,

esperava, na casa da claridade, o escuro que antecede o início da escrita. escreve, disse o poema aberto sobre a cama. escreve, disse o poema aberto.
e o poema, deitado-corpo, ensina a prece do dia.

rezar a leitura, ela tinha dito.
do corpo aberto
sem casca
apenas uma
lágrima
escorre
da pele fina
mil marcas.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Coisas para fazer com um corpo enquanto espera:

1- desmanchar na cama durante horas sem fim
2- fechar os olhos e ouvir a voz melodia distante
3- sentir o ritmo
4- tocar a pulsação
5- desesperar sem anestesia: o corpo não para de desejar
6- experimentar o gosto do dia
7- escrever listas de temperos
8- desenhar riscos no papel
9- procurar palavras no dicionário
10- cozinhar e deixar o cheiro se espelhar pela casa
11- abrir as janelas
12- tecer o fio cinza com agulha 09
13- arrumar e desarrumar a cama
14- correr para o suor escorrer
15- ter medo
16- não ter medo do medo
17- encontrar
18- deixar
o verbo no infinitivo

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Uma mulher sangra por todos os poros, sangra e escreve, insistentemente.
Enquanto o filho dorme, nos intervalos do dia, entre conversas sobre compras, na feitura do almoço.
Escreve.
O filho quer saber o resultado da conta de matemática, o marido chega... ela escreve.
Por onde passa a linha do horizonte? O telefone toca. Todos saíram.
Volta [escreve].
Às vezes ela pensa em parar, por fim a esse trabalho, descansar o corpo.
Quem sabe assim o sangue cesse de jorrar? Estanque. Às vezes dói.
Em outras a solidão é insuportável. Pára – ( ). Ela escreve, ainda.
Será mesmo possível por um ponto, um ponto final nesse corpo que escreve?
Sangra, escreve, dói. Sem ordem. Tem dias que só escreve. Outros, só dói.
E, ainda, aqueles em que só sangra.
Para todos o só... elemento invariável, nesse universo do muito, do movimento. Alguém chega, o telefone toca, de novo.
Pára - ( ). Por alguns minutos....
O corpo?
Escreve. Só.

domingo, 10 de abril de 2011

o som da gordura na frigideira
o odor adocicado da casa
faz barulho, tem cheiro e nada.
ela olha, mas o olhar
já atravessou a fresta da porta
perdido.
ela fala, às vezes
e a voz abre, desocupa.
somos duas e muitas ao mesmo tempo
mulheres desocupadas
a vagar pelos cantos
numa espécie de passo errante.
vagando a olhar
rompemos saídas
com a brevidade de um passo
absurdo.

domingo, 20 de março de 2011

ama o gosto de ontem deixado nos lábios
o cheiro do corpo ainda descoberto

espere

outros entardeceres
na minha casa aquecida