domingo, 20 de março de 2011

ama o gosto de ontem deixado nos lábios
o cheiro do corpo ainda descoberto

espere

outros entardeceres
na minha casa aquecida

terça-feira, 15 de março de 2011

Feito para devorar

tecia, tecia, tecia.

era toda mãos, olhos, lábios, num misto de vigor e desfalecimento. o movimento das agulhas,
o som delicado do toque dos fios de lã.
o que se revelava nesse movimento de furar o tecido para bordá-lo depois? O que se revelava no movimento de trançar os fios? Fios enganadores. tramavam como se costurassem o corpo quando na verdade faziam do corpo tecido aberto. Ainda assim era preciso ser
generosa com o textu.
generosa.
apenas o trabalho incessante de bordar naquela superfície.
aquele dia amanhecia com dor. dor não era amargura, mas vontade desmedida. dor não era sofrimento, mas tormento insistente.
aflição apenas. dor não era a lembrança, mas a loucura de esquecimento. dor não era a distância, mas a ausência. dor não era o silêncio da voz, mas o suspiro interditado.
dor era o corpo acordar todos os dias e ter que adormecer apressadamente.

tecia, tecia, tecia.

às vezes tinha uma estranha sensação de vertigem. como se escorresse por entre o tecido poroso o líquido antes represado. sobrava nas mãos as partes materiais. pujança vertiginosa.
“tenho vontade de comer isso”.
ele tinha dito enquanto balançava no ar o papel branco. foi então que começou a devorá-lo ali mesmo, na frente daquela mulher. Ela olhava com estupor as palavras sendo desmanchadas,
a folha branca desfeita e o corpo dele ocupado agora com o tecido do texto.
olhava imóvel o erotismo da devoração, a avidez do gesto. corpo desperto e um só pensamento: algumas coisas foram feitas para ser devoradas.
ele conhecia a violência da sensação que se alastrava pelos lugares antes não ocupados.
tomava as palavras, desatava a trama do tecido, se fartava com o tudo e o nada daquele corpo. entregue à insensatez do encontro ela morria de uma vez só, numa só intensidade. é que o vivo nasce do deserto.
toma o texto. e era ela.
devora-o. e era ela.
prove o gosto. e era o dela.
o desatino daquele impulso. o disparate daquele gesto.
a arbitrariedade daquele desejo. o prazer da devoração
aquela carne. sexo insano. desejo maldito.

(tecia, tecia, tecia).

sábado, 5 de março de 2011

o tempo exagerado do amor
nunca rasgou o céu dos meus dias. objeto com passado marcado,
nada assustado com a aragem dos tempos.
substância passageira
que insiste em pousar-se com suas irrelevâncias. frivolidades do cotidiano
escorrem num jogo de intensidades,
no impetuoso retorno da noite,
contra a palidez dos anos gastos.

tédio sublime

que invade o erotismo dos corpos
numa vertigem da duração.
tudo o que sinto esbarra em ti.

Com passo de poesia

não, não o amava.
o corpo chamava por ele nas manhãs em que se esparramava sobre a cama
num tempo que parecia ser infinito.
não, não o amava.
uma intensidade descompassada dava ritmo aos dias que seguiam
sob a marca da ausência dele.
não, não o amava.
desejava apenas o calor do encontro com aquele corpo que tinha vida,
que pulsava seguindo uma cadência aflitiva.
não, não o amava.
queria a pressão do corpo dele sobre o dela, o toque lento, perturbado, insistente.
não, não o amava.
desejava o atrito da pele que fazia vibrar e calar uma intensidade sem limites.
não, não o amava.
era vontade dele, sem medida, sem pudor, com ardor.
não, não o amava.
ansiava pelo gosto da boca deslizando sobre o corpo ardente.
não, não o amava.
apenas a voz insistia no corpo dela, habitava os seus dias, atormentava as suas noites.
mas não, não o amava.

De cor'po

gozar pelas frestas
com o corpo vivo,
corpo lanhado, embriagado
no vórtice da superfície.
exagerar no ponto doce da vida
gasta pelo deserto
apertar demais um único ponto
sentir a intensidade rasgar o silêncio
e escorrer pelas vazas que o detinham.
amar pelo avesso
com a fogosidade mórbida da carne
na impetuosidade do leito de amor.
desejar a noite enroscada no corpo
e as lufadas de voz a invadir a pele
afinal.